tinha quintal e porão
como só as casas da infância
sabem ter.
Era alta e amarela
a casa da minha infância
e dava a nítida impressão
de que era muito antiga
desde que fora feita.
E tinha uma varanda
a casa da minha infância
com uma escada branca ao lado
que subia
e, torta,
parava,
subia
e chegava.
A casa da minha infância
tinha um caramanchão
sobre o qual escorria
uma primavera vermelha
florindo e tingindo o chão
de paralelepípedos.
Lá dentro,
na casa da minha infância,
tinha uma sala de visitas
com um quadro de Jesus
vigiando.
Depois, sala de jantar,
santa ceia prateada,
cristaleira
e o rádio RCA Victor
sintonizando os programas
da Radio Nacional do Rio de Janeiro,
Brasil,
(patrocínio das Casas Masson).
Tinha, ainda, copa,
quarto,
quarto,
corredor,
quarto
e cozinha,
fogão Dako elétrico e,
em cima,
a inscrição no pano de prato:
"quando em seu coração reina a paz
a menor casa num palácio se faz".
A casa da minha infância
tinha um jabuti,
um pé de limão
e uma parreira.
Mas tinha, sobretudo,
Os mistérios das cortinas.
Os segredos dos armários,
a sedução do pichichê.
E era imensa,
forte.
O mundo entrava timidamente
pela fresta da janela
na casa da minha infância.
(Sérgio Antunes, poeta e escritor;
www.sergioantunes.art.br)
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